quarta-feira, 31 de março de 2010

Sobre a precária liberdade de expressão - André Pires



O problema da precariedade está intimamente ligado à liberdade de expressão, de opinião, de questionar isto ou aquilo, e uma das classes profissionais que, possivelmente, melhor compreende esta problemática são os jornalistas. Habituados a lidar com todo o tipo de pressões, da "linha editorial", ao condicionalismo de um ou outro poder económico (veja-se o caso da Sonae, detentora do jornal Público), aos assessores da agência de comunicação Y, os jornalistas debatem-se com a questão de se movimentarem num arame preso entre uma suposta "liberdade de imprensa" e todos os condicionalismos decorrentes da sua condição precária.

A Liberdade de Expressão tem estado em destaque nos últimos dias na praça pública sendo, inclusivamente, discutida na Comissão de Ética do Parlamento. A este respeito, o ex-presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, o senhor Eurico Reis, juiz desembargador, defendeu que, de facto, existe liberdade de expressão em Portugal, ressalvando contudo que "quem está a recibos verdes tem um trabalho mal pago e, pior que isso, tem a condição de estagiário", perde a capacidade "de dizer não", "se tiver a barriga vazia e os filhos também, é óbvio que se acomoda a muita coisa" (declarações retiradas do jornal Diário de Notícias do dia 31 de Março de 2010). Seguindo a lógica das declarações de Eurico Reis, parece-me possível concluir que existe uma precária liberdade de expressão em Portugal, assente numa dialéctica sempre presente entre poder económico e vidas precárias, que permite falar de escândalos de corrupção que envolvem altos dignatários do Governo mas que, simultaneamente, impossibilita o debate em torno das condições de trabalho, dos salários mal pagos, da constante e presente condição precária que serve de mordaça, neste caso, à maior parte dos jornalistas portugueses.


Mais do que discutir se existe, ou não, liberdade de expressão em Portugal parece-me, a mim, que o que deveria ser discutido seriam as relações laborais e os vínculos (ou neste caso a falta deles) que impossibilitam o trabalho isento dos jornalistas. 

Um jornalista precário é um jornalista amordaçado, dependente da vontade do editor, que por sua vez, nesta escada social, está dependente do director que, por sua vez, está dependente do jovem Paulo Azevedo, se falarmos do caso do jornal Público, por exemplo. Ora, parece-me que o "jovem" Paulo Azevedo não estará particularmente interessado que o jornalista que trabalha a recibos verdes faça um trabalho sobre a precariedade existente nos supermercados Continente, por exemplo. Se tem a liberdade para o fazer, tem, se o irá fazer, não! 

É caso para dizer, colocando-me na pele de um qualquer jovem jornalista que trabalha 12h por dia e no fim do mês espera pelo seu recibo verde e pela decisão do editor ou director do jornal para saber se poderá, ou não, continuar a trabalhar "livremente" nesse jornal, "as palavras custam a sair, não digo o que estou a sentir, digo o contrário do que estou a sentir". 

André Pires

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