terça-feira, 30 de março de 2010

1º de Maio dos trabalhadores que ou não trabalham ou, embora trabalhem, não sabem dizer em que trabalham e então é como se não trabalhassem porque não têm colegas estáveis nem podem lutar pelos seus direitos, ou então, no fundo (e embora trabalhem), são mas é contra o trabalho e a separação a que ele nos sujeita





  1. Aconteceu e acontece (independentemente das habilitações) irmos tendo imensos pequenos trabalhos, coisas dispersas que começam e acabam rápido e no fim recibo verde ou nada: terminologia nenhuma para esta maneira de ganharmos dinheiro para viver para além da expressão “fazer uns biscates de vez em quando”. Nenhumas garantias, segurança social à perna, identidade profissional zero, “percurso individual” instável a impedir uma união de interesses comuns, colegas de trabalho inconstantes, impossibilidade de sindicalização (mesmo que não pretendida), cada trabalho ou oportunidade de trabalho a soar como irrenunciável: balança completamente desequilibrada para o lado do empregador a fazer lembrar os tempos em que se recrutavam homens à jorna, - o patrão é que escolhe, não queres não queres, o problema é teu!..


  1. Acontece que isto – ou aquilo de trabalharmos 6 meses ali e depois mais um ano acolá, de fazermos n estágios de graça, de termos um contrato para sermos pagos a recibos verdes ou a qualquer outra coisa ainda mais manhosa, de estarmos permanentemente a trabalhar e a pensar no trabalho (mesmo que em casa), de acumularmos empregos para conseguirmos viver, de termos de fingir que acreditamos num mundo que não faz esforço nenhum para disfarçar que não acredita nada nas promessas que nos fez e continua a fazer, de termos de ser proactivos e entusiastas de uma sociedade que não nos oferece a menor garantia de humanidade, de nem sequer pensarmos em ter filhos tão cedo, de termos vários pagamentos (para não lhes chamarmos salários) em atraso, de estarmos inscritos em agências de trabalho temporário que canalizam a nossa energia de vida para onde ela puder ser rentabilizada, de termos de passar por inenarráveis testes psicológicos para deixarmos o empregador (e o intermediário do empregador) averiguar(em) da nossa personalidade, de sermos obrigados a competir com o mundo inteiro, de não sabermos o que dizer aos nossos pais que sempre quiseram o melhor para nós, de sermos obrigados a contrair empréstimos para estudar ou comprar casa, de termos como única hipótese o trabalho estupidificante em call-centers mastiga-e-deita-fora, de devermos aprender a cuidar da nossa imagem e do curriculum como se fossemos um produto,  de estarmos perdidos ou confusos ou desanimados no meio de tudo isto e de, em vez das palavras e dos actos para o expressarmos, termos apenas meia dúzia de sentimentos contraditórios, algum desespero e uma grande vergonha – é bastante comum, infelizmente.

  1. Acontece também que é muito difícil termos um discurso só sobre o trabalho (tornaram-nos demasiado dependentes dele para vivermos, compreenda-se) – mas que, caso o tivéssemos - se o discurso fosse mesmo o da nossa vida, da nossa vontade de vida, da potencia efectiva dos nossos actos -, ele seria o da abolição do trabalho em troca de um fazer que nos pertencesse: que não fosse produção de dinheiro, que não acarretasse a constituição de identidades (transformação do fazer em ser), que não nos separasse do que fazemos e de como vivemos, e que não transformasse todas as relações em coisas. E – sabemo-lo - poria em causa o centro mesmo da ordem do que por agora nos faz viver assim. Acontece, porém, que este discurso não é só nosso nem é novo (e também não é para amanhã nem foi de ontem), já está aqui, no centro de tudo, basta querer ouvir – pertence a todos. Está nos suspiros de enfado contra o patrão e na alegria com que se vai para o fim-de-semana, na pouca vontade em procurar trabalho, na vida que vamos tendo nos interstícios da que não queremos ter, na procura do part-time em vez do emprego das nove às cinco, na criação (contra a competição a que nos obrigam) de redes de colaboração, na invenção de maneiras de partilhar, no tempo roubado ao ter-de-ser... È a cantilena de toda a gente, ouvimo-la e, como patrões, em seu nome flexibilizamos e modernizamos o trabalho de um modo que ele se torna mais injusto e mais precário ainda. Porque o não pusemos em causa. E então depois lutamos por uns direitos que reclamam um trabalho como ele já não é e como provavelmente também não queríamos que fosse e ficamos divididos. (...) No mundo do trabalho coexistem agora muitas formas de empregos – a velha velha exploração anda tão estranha, tão fragmentada, tem tantos rostos, que até parece que ter trabalho é um luxo, que os direitos são uma regalia extra – um bónus, que temos mais é de fazer o que conseguirmos e darmo-nos por satisfeitos por termos que fazer. A retórica de o trabalho ser uma sorte e o desemprego um drama ou uma vergonha, do “qualquer trabalho é melhor do que trabalho nenhum” proferido por Clinton apoia-se em e ajuda a criar uma série de micro-desesperos, pequenas competições, separações do “si mesmo” em nome da construção de indivíduos vorazes e empreendedores, competitivos e desumanos (...) E é desta lógica que queremos sair, agora, cada um, em grupo, num movimento constante feito de avanços e recuos, cedências, conquistas e contradições. Vamos tentando. (....).

Colectivo Mas, e no dia 2 de Maio? (tradução livre de alguns excertos)

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